Por favor, me surpreenda!
Por que as mulheres abominam a rotina?

Lembro de uma amiga, psicóloga, que me contou sobre um paciente dela. O sujeito vivia se queixando de que o sexo com a mulher dele era chato e previsível. Pois um dia, depois de muito reclamar, ele chegou em casa e a mulher, normalmente passiva, o esperava na cozinha de sandália alta e trajes menores, e se atirou sobre ele. O cara levou um susto enorme, seus membros inferiores encolheram, (como ocorre com os homens assustados) e ele retornou à analista, no dia seguinte, dizendo que queria a mulher dele de volta – aquela tímida e previsível, como ele gostava.
Podem rir, mas essas coisas acontecem o tempo todo.
Um amigo me contou sobre a namorada que um dia foi apanhá-lo no trabalho com uma peruca loira, tipo Marilyn Monroe. Ele demorou a reconhecê-la e, mesmo depois de perceber quem era, entrou no carro incomodado, sentindo-se desconfortável. “Não era a minha garota”, ele me disse. Claro que não era. Ela estava fantasiada para realizar uma fantasia, mas tinha se esquecido de combinar com ele. O cara detestou, ela ficou desapontada com a falta de imaginação e receptividade dele, e o namoro começou a fazer água bem ali. Bela surpresa.
A favor do meu ponto de vista, nem vou invocar aquela máxima cínica (e certeira) que recomenda não chegar de viagem sem avisar a parceira (ou parceiro). O gesto romântico de surpreender a namorada um dia antes do previsto já causou muita separação – sem falar em violência e crime.
Com o risco de ser sexista, acho que talvez exista uma diferença na forma como homens e mulheres vêem essas coisas. Tenho a impressão de que na mente das mulheres as palavras surpresa e erotismo andam enlaçadas. O homem perfeito, a melhor transa, o romance inesquecível – tudo isso parece estar associado ao inesperado. Enquanto os homens abraçam os hábitos com a felicidade de quem veste uma calça velha, as mulheres se inquietam com a repetição. Parecem precisar do estímulo da novidade, ainda que seja uma mera encenação – como a moça de peruca no carro do amigo. Por alguma razão que a vasta maioria dos homens desconhece, mulheres exigem a ruptura da rotina para terem paz. Olham para a sua cara na tarde de sábado como quem pergunta: “e aí, não vai fazer nada heróico, espetacular ou incrivelmente sedutor para mostrar que me ama”? A Emma Bovary que há em cada uma delas exige novidades.
Isso tudo, evidentemente, no terreno afetivo. Quando se trata do dia-a-dia, a tendência das mulheres é ficar brava se você atrasa, não telefona, não faz, não paga, não vai. A imprevisibilidade (alguém já disse?) é a virtude dos amantes. Dos maridos e namorados espera-se o cumprimento atencioso da lei e a manutenção pacífica da ordem – no horário de serviço. Depois, seria de se esperar que o esforçado provedor virasse um Don Juan intrépido, capaz de escalar a sacada com um maço de flores e disposição infatigável (e ademais, poética) para os embates do amor.
Quando eu era criança, ouvia minha mãe cantar na cozinha uma música que dizia exatamente isso: “Lembro-te agora/ Que não é só casa e comida/ Que prende por toda vida/ O coração de uma mulher”. Descobri, anos depois, que se tratava de um samba de Ataulfo Alves que ficou famoso na voz da Dalva de Oliveira. O nome é “Errei, sim”. Lindo. Foi composto em 1950, mas ainda faz sentido. Quem não conhece pode escutar aqui, com a Paula Toller, num vídeo simpático de celular.
Por isso tudo, os homens capazes de surpreender levam vantagem na relação com as mulheres, mas eles são poucos. Passado o entusiasmo inicial, quando o cérebro funciona 100% do tempo no modo sedução, quase todos se deixam largar no sofá e se acomodam. É preciso ser um apaixonado aplicado para continuar pensando no que faria a sua mulher feliz – e dar-se ao trabalho de surpreendê-la. Encher o iPod com as músicas favoritas dela antes de entregá-lo de presente, por exemplo. Ou marcar uma viagem na data do aniversário de namoro sem avisá-la. Essas atenções parecem fazer toda a diferença. Não são grandes surpresas, eu sei, e talvez seja melhor assim – as pessoas sonham com grandes emoções e enormes arrebatamento, mas talvez precisem apenas de afeto, claro e simples.
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ivan-martins/noticia/2012/01/por-favor-me-surpreenda.html
Sem comentários:
Enviar um comentário